JOSÉ RÉGIO
(excerto do capítulo «O Modernismo em Portugal», de Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, 2ª edição, corrigida: Editorial Inquérito, 1944[?])
Ora, indiferente às correntes nacionalistas estudadas no capítulo
anterior, uma arte digamos cosmopolita, e mais ou menos contemporânea
daquelas, começava de se revelar nas tentativas da nova geração. Alguns
dos artistas que então se ensaiavam, e depois vieram a criar um nome,
sofriam essa torturada ânsia de novidade e libertação que fez da arte
moderna uma empresa dramática. A esses, e
a alguns que se lhes seguiram e os continuaram, se chamou modernistas.
As mais arrojadas concepções estéticas apareciam então lá fora, ou
haviam aparecido, — proclamando cada qual por sua vez a descoberta da
verdadeira arte actual: O futurismo italiano, o cubismo, o dadaísmo, o
ultra-realismo franceses, o expressionismo alemão e todas as correntes
mais ou menos derivadas ou apensas — lançavam então ao ar o fogo dos
seus manifestos estridentes, rangentes, intolerantes: fogo que algumas
vezes ameaçava apagar-se com uma facilidade proporcional à com que
esfuziara. Em tais manifestações se misturava o espírito de blague e
sarcasmo com a seriedade consciente ou involuntária. Não se via, talvez,
aparecerem as obras-primas de arte que, devidas embora ao génio
individual, para sempre ilustram uma escola, uma corrente, uma época;
mas vincava-se uma atitude de inconformismo e aventura, procura e
audácia, decerto favorável à criação libérrima: O romantismo erguia a
sua nota mais aguda — atingia as suas extremas consequências. As
próprias manifestações estéticas dos povos primitivos, das crianças, até
dos moradores dos manicómios e cadeias, eram estudadas, pelo menos
coleccionadas, com um interesse inquietante e sôfrego: Nelas se
pretenderia sugar uma arte inédita, mais sintética e, pensava-se, mais
pura; isto é: mais nua de todos e quaisquer preconceitos e convenções de
origem mais ou menos academicista. Simultaneamente, o cabotinismo, a
superficialidade e a moda rebuscavam tudo cuja antiguidade, cujo
esquecimento, cujo desconhecimento ou cujo exotismo pudessem sugerir, ou
simular, o ineditismo duma criação nova. Reinando no mundo da arte a
complexidade, a confusão, a inquietação, o desvairamento, — os
charlatães sentavam-se à mesa dos príncipes, os servis confundiam-se com
os grandes senhores. Ainda hoje nem sempre é fácil separar uns e
outros.
(excerto do capítulo «O Modernismo em Portugal», de Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, 2ª edição, corrigida: Editorial Inquérito, 1944[?])