7.10.13

OLGA GONÇALVES


liberdade

vês. ao pé da mancha branca, a meio da vertente. vês. ao pé do souto. um pouco mais acima. sim. aquelas fragas. ali, os meus irmãos e eu brincávamos às guerras, e cada um escolhera o seu castelo, brincávamos à forma, ao sangue ainda cru, ao gelo muito azul, ao delírio dos castiçais no braço íngreme da montanha.

da ponte levadiça, eu, silvestre, gesticulava aranhas. dava bocadinhos de figos às borboletas. antecipava os nocturnos para a vigília de todos os animais dos meus espelhos.

agora a língua bate a paisagem que se tornou imóvel, amadurece e apodrece o líquen em cada ponto essencial da fraga, na última batalha, hoje abstracta combustão de ferros, deixei um grande resplendor. iluminuras vivas. era setembro violento e seco. ao fundo, perto dos salgueiros, o abismo do outono respirava. eu pensava nos mortos. no bafo da maçã. na pausa das imagens sobre a água. no buraco da rocha onde pudesse gritar liberdade. e a palavra caminhasse, sem tremer, até ao outro lado e acordasse os outros. e abrisse pórticos na treva.


(de Caixa Inglesa, edições Rolim, 1981)

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