12.10.13

JOSÉ RÉGIO


Ora, indiferente às correntes nacionalistas estudadas no capítulo anterior, uma arte digamos cosmopolita, e mais ou menos contemporânea daquelas, começava de se revelar nas tentativas da nova geração. Alguns dos artistas que então se ensaiavam, e depois vieram a criar um nome, sofriam essa torturada ânsia de novidade e libertação que fez da arte moderna uma empresa dramática. A esses, e a alguns que se lhes seguiram e os continuaram, se chamou modernistas. As mais arrojadas concepções estéticas apareciam então lá fora, ou haviam aparecido, — proclamando cada qual por sua vez a descoberta da verdadeira arte actual: O futurismo italiano, o cubismo, o dadaísmo, o ultra-realismo franceses, o expressionismo alemão e todas as correntes mais ou menos derivadas ou apensas — lançavam então ao ar o fogo dos seus manifestos estridentes, rangentes, intolerantes: fogo que algumas vezes ameaçava apagar-se com uma facilidade proporcional à com que esfuziara. Em tais manifestações se misturava o espírito de blague e sarcasmo com a seriedade consciente ou involuntária. Não se via, talvez, aparecerem as obras-primas de arte que, devidas embora ao génio individual, para sempre ilustram uma escola, uma corrente, uma época; mas vincava-se uma atitude de inconformismo e aventura, procura e audácia, decerto favorável à criação libérrima: O romantismo erguia a sua nota mais aguda — atingia as suas extremas consequências. As próprias manifestações estéticas dos povos primitivos, das crianças, até dos moradores dos manicómios e cadeias, eram estudadas, pelo menos coleccionadas, com um interesse inquietante e sôfrego: Nelas se pretenderia sugar uma arte inédita, mais sintética e, pensava-se, mais pura; isto é: mais nua de todos e quaisquer preconceitos e convenções de origem mais ou menos academicista. Simultaneamente, o cabotinismo, a superficialidade e a moda rebuscavam tudo cuja antiguidade, cujo esquecimento, cujo desconhecimento ou cujo exotismo pudessem sugerir, ou simular, o ineditismo duma criação nova. Reinando no mundo da arte a complexidade, a confusão, a inquietação, o desvairamento, — os charlatães sentavam-se à mesa dos príncipes, os servis confundiam-se com os grandes senhores. Ainda hoje nem sempre é fácil separar uns e outros.


(excerto do capítulo «O Modernismo em Portugal», de Pequena História da Moderna Poesia Portuguesa, 2ª edição, corrigida: Editorial Inquérito, 1944[?])

Sem comentários: