CESARE PAVESE
LENHA VERDE
(para o Massimo)
O homem imóvel tem à sua frente colinas na escuridão.
Enquanto estas colinas forem feitas de terra,
os camponeses terão de as cavar. Fita-as e não as vê,
como quem na cadeia fecha os olhos, completamente desperto.
O homem imóvel — esteve na cadeia — retoma amanhã
o trabalho com alguns camaradas. Esta noite está sozinho.
As colinas sabem-lhe a chuva: é o odor distante
que às vezes chegava à cadeia com o vento.
Às vezes chovia na cidade: o escancarar
do sangue e dos pulmões à liberdade da rua.
A cadeia absorvia a chuva, na cadeia a vida
não acabava, às vezes também filtrava o sol:
os camaradas esperavam e o futuro esperava.
Agora está sozinho. O odor insólito a terra
parece-lhe saído do seu próprio corpo, e recordações antigas
— ele conhece a terra — puxam-no para o solo,
para aquele solo verdadeiro. Não vale a pena pensar
que a enxada os camponeses enterram-na na terra
como num inimigo e que se odeiam de morte,
como tantos inimigos. Têm também uma alegria
os camponeses: aquele pedaço de terra amanhado.
Que importam os outros? Amanhã as colinas
estender-se-ão ao sol, cada um terá a sua.
Os camaradas não vivem nas colinas,
nasceram na cidade, onde em vez de erva
há carris. Às vezes também ele se esquece.
Mas o odor da terra que chega à cidade
já esqueceu os aldeões. É uma demorada carícia
que faz fechar os olhos e pensar nos camaradas
na cadeia, na longa cadeia que espera.
(de Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite, livros
Cotovia, 1997)