12.1.12


CESARE PAVESE


LENHA VERDE
(para o Massimo)

O homem imóvel tem à sua frente colinas na escuridão.
Enquanto estas colinas forem feitas de terra,
os camponeses terão de as cavar. Fita-as e não as vê,
como quem na cadeia fecha os olhos, completamente desperto.
O homem imóvel — esteve na cadeia — retoma amanhã
o trabalho com alguns camaradas. Esta noite está sozinho.

As colinas sabem-lhe a chuva: é o odor distante
que às vezes chegava à cadeia com o vento.
Às vezes chovia na cidade: o escancarar
do sangue e dos pulmões à liberdade da rua.
A cadeia absorvia a chuva, na cadeia a vida
não acabava, às vezes também filtrava o sol:
os camaradas esperavam e o futuro esperava.

Agora está sozinho. O odor insólito a terra
parece-lhe saído do seu próprio corpo, e recordações antigas
— ele conhece a terra — puxam-no para o solo,
para aquele solo verdadeiro. Não vale a pena pensar
que a enxada os camponeses enterram-na na terra
como num inimigo e que se odeiam de morte,
como tantos inimigos. Têm também uma alegria
os camponeses: aquele pedaço de terra amanhado.
Que importam os outros? Amanhã as colinas
estender-se-ão ao sol, cada um terá a sua.

Os camaradas não vivem nas colinas,
nasceram na cidade, onde em vez de erva
há carris. Às vezes também ele se esquece.
Mas o odor da terra que chega à cidade
já esqueceu os aldeões. É uma demorada carícia
que faz fechar os olhos e pensar nos camaradas
na cadeia, na longa cadeia que espera.


(de Trabalhar Cansa, tradução de Carlos Leite, livros Cotovia, 1997)

11.1.12


FERNANDO ECHEVARRÍA



VIVOS ESTÃO. E É DO FUNDO DE ESTAREM
que seu pulso nos vem vivente
estremunhar. Que naufragáramos quase
na compenetração. Estado sempre
imbuído de ausência. A saturar-se
do rasto duma ida tão doente
que o mundo cessa à volta. Ou é arrabalde
que de o ser até se esquece.
Mas, quando de onde estão nos vêm e trazem
pungência tão de pulso renitente
despertar se subleva. Sobe ao auge
de vê-los vir àquela terra estreme
onde a morte perdeu a sua base,
que só há vivos nessa luz vivente.


2

OS VIVOS QUE ALI VIVEM NOS CONVOCAM.
Em nós sublevam esse pulso vivo
que fica dando, com a evidência toda,
para o rasto sugado do seu ímpeto.
A haver fronteira, passa por uma zona
aonde as dimensões cruzam conflitos
e paralisam. Embora
perplexa errância acerte o exercício
e fixe o ponto de onde se abre a folga
que ajuste a dimensão ao novo sítio.
E esse sítio é o de aqui e agora.
Com o agora a exceder-se e vivo
a contundir à volta
do pulso peremptório. E fugidio.


3

MAS QUE SÓ FOGE QUANDO SE OBNUBILA
a atenta gravidade. Rompe então
uma estranheza de alba compassiva
que fica a pairar. E só
a lomba reconhece, tão antiga
que se lhe esvai a luz do pormenor.
Ou, talvez, essa luz entre em vigília,
sendo a vigília ritmo que se foi
esquecendo do ponto agudo em vista.
Agora, é sem ninguém a solidão.
Mesmo a paisagem desfalece. Fica
o eco trespassado de um fulgor
e decaindo para a cota implícita
que a explícita estranheza veio impor.


(de In Terra Viventum, edições Afrontamento, 2011)