VASCO GATO
IMPREVISTO NO MAPA
Que estranho
estar a visitar-te onde não estás
recuar de repente para que passes
e tudo tão imóvel
tudo tão estreito
tão repreensível
e porém uma figura se desembaraça
da treva
e é o magneto
o grito avermelhado que fica
a rodar no anfiteatro
em que eu sou o louco
e tu a vírgula que não me deixa
terminar
(abriu-se a gaveta
as sombras têm o mesmo tamanho
os nervos andam à solta)
agora que te vejo
até onde não te vejo
e essa é a extensão dos meus sentidos
agora que me esquivo
do golpe silencioso dos teus braços
descubro que me coube
a parte mais terrível da aurora
aquele minuto que se comprime
e sangra pelos cabelos
aquele erguer-se a rua
pela rosácea
da expectativa
um espectáculo existiu
e cada um sabia o seu papel
funâmbulos ou piruetas ao acaso
não importa
eu tinha os teus lábios
tu encontravas-me como um velho relógio
de parede
ao entrar no mar
os grandes olhos do nosso entendimento
verdes olhos de vagabundo ao sol
para unicamente
esta noite
para unicamente esta noite
para unicamente esta noite te dizer
que eu sou o homem no escuro
eu sou o sol a aquecer-se nos teus bolsos
eu trago a minha canção aberta
à radiação dos últimos vestígios
do corpo
sessenta mil velas
para unicamente esta noite
para unicamente esta noite te dizer
os holofotes acenderam-se
os holofotes acenderam-se
as minhas mãos viram as tuas mãos
(de Prisão e paixão de Egon Schiele, &etc, 2005)
20.11.10
15.11.10
LUIS PIGNATELLI
já foram neve sinos as portas desta casa em sombra
já foram neve sinos as portas desta casa em sombra
que a pútrida folhagem do outono abandonou
agora movem-se no sono dágua dos meus olhos
que a luz da tarde tão cegadora evaporou
pequenos bichos larvas começam a lavrá-las
finas poeiras já se amontoam na pedra das soleiras
fulvas rosáceas tessituras delicadas rendas
com que se vestem as aves pólen das madeiras
as portas que foram desta casa tão olorosa outrora
na purga do salitre é que se expurgam cinzas
mais as gramíneas da noite constelações azedas
só restam lousas o oiro velho que há nas cornijas
mas na memória hão-de restar ventos alíseos facas
com que as lavercas as suas patas vão escarvar
lameiros negros hei-de encontrar as suas tocas
onde meus olhos os destas portas se irão deitar
mas não tão cedo acres que ainda estão mortas
suas resinas alguém virá com lumes dágatas
dentro de casa erguer as portas varandas altas
que já rolam rolas nos seus casulos pratas
de águas soltas pérolas vastas encherei as arcas
neve sonora a destas portas sombrias naves
hão-de queimá-las as tuas asas? alguém virá com suas brasas?
meus olhos folhas hão-de levá-las na seda magra destas aves
(de Polaroides, in Obra Poética, &etc, 1999)
já foram neve sinos as portas desta casa em sombra
já foram neve sinos as portas desta casa em sombra
que a pútrida folhagem do outono abandonou
agora movem-se no sono dágua dos meus olhos
que a luz da tarde tão cegadora evaporou
pequenos bichos larvas começam a lavrá-las
finas poeiras já se amontoam na pedra das soleiras
fulvas rosáceas tessituras delicadas rendas
com que se vestem as aves pólen das madeiras
as portas que foram desta casa tão olorosa outrora
na purga do salitre é que se expurgam cinzas
mais as gramíneas da noite constelações azedas
só restam lousas o oiro velho que há nas cornijas
mas na memória hão-de restar ventos alíseos facas
com que as lavercas as suas patas vão escarvar
lameiros negros hei-de encontrar as suas tocas
onde meus olhos os destas portas se irão deitar
mas não tão cedo acres que ainda estão mortas
suas resinas alguém virá com lumes dágatas
dentro de casa erguer as portas varandas altas
que já rolam rolas nos seus casulos pratas
de águas soltas pérolas vastas encherei as arcas
neve sonora a destas portas sombrias naves
hão-de queimá-las as tuas asas? alguém virá com suas brasas?
meus olhos folhas hão-de levá-las na seda magra destas aves
(de Polaroides, in Obra Poética, &etc, 1999)
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