13.11.10

CARLOS EDMUNDO DE ORY


EXAME DE POESIA


Quando só na escuridão da noite urino
penso quieta a dúvida numa vida antiga
Porquê de noite tenho tanto medo na alma?
O céu fita-nos a andar e estamos na vida.

Vem loucura às minhas pupilas vem loucura
Febre de exílio nas margens de meus olhos
Põe o manto escarlate na minha alma
despedaça o meu tímpano o meu tórax
corta-me a jugular.

Espero-te com os punhos com os dentes
com os olhos cerrados:
loucura peristilo divino
ângulo facial de actor de morte
anfisbena demónio sem sentido
É teu sentido uma delícia extrema.

Nesta noite de ouro neste inverno
Nesta noite dura e fria ponho
minhas mãos de diamante e minhas pernas
sobre a almofada e sobre a colcha
chamo chamo
Não ao sonho nem à eterna escuridão
mas à porta em que morre minha mãe

Quero dobrar a espinha
tristíssima e divina.


(tradução de José Bento, in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, Assírio & Alvim, 1985 - documenta poetica)

11.11.10

HAN SHAN




Humana vida estar na poeira agitação

Exactamente como bacia meio insecto

Todo o dia avançar girar girar

Não deixar sua bacia meio

Imortais não poder obter

Preocupações planos sem esgotado

Anos meses como corrente água

Num instante estar velho




A vida humana situa-se na agitação da poeira
Exactamente como um insecto no meio de uma bacia

O dia todo avança girando girando
Não sai do meio da bacia

Os imortais não podem ter
Preocupações planos sem fim

Anos meses são como água que corre:
De repente está-se velho


(in O vagabundo do Dharma / 25 poemas de Han-Shan, Caligrafias de Li Kwok-Wing; Tradução do chinês de Jacques Pimpaneau; Versões poéticas de Ana Hatherly, Cavalo de Ferro, 2003)


Vive o homem a vida numa tigela de poeira
É como bichinhos dentro de um jarro
Todo o dia andando à volta
Nunca sai lá de dentro.
Não nos calha a ventura
Só temos em sorte desgraças
O tempo parece um rio
Que corre. Um dia, acordamos velhos.


(in Uma Antologia de Poesia Chinesa por Gil de Carvalho, Assírio & Alvim, 1989 e 2010 - Assíria)

7.11.10

(foto daqui)


JOSÉ SANTIAGO NAUD



BARCELONA


Sagrada Família

Aqui de movo se recupera o Cristo
e nova a natureza se redime.
Abstracção, a reta
cede passo à espiral
mas são os montes que descem o foco de luz
centrado entre os picos e o espaço.
Tudo quanto — familiar
ou altivo — homem pode conter
aqui se inicia. Tanto génio em preconceito
vencido torna o tempo possível e faz
com que a origem reverta. Depois dessa
força é mudar de vida.


(de Conhecimento a Oeste, Moraes editores, 1974 - Círculo de Poesia)