19.4.12


PAULO JOSÉ MIRANDA


Desejo

A pele alva, o esplendor do inverno, o desejo.
Tocávamo-nos de tão perto, ríamos,
junto a um muro ervas rasteiras, nem um beijo.

Daqui ouvíamos a voz dela nesta praia
«... as flores, os caminhos, a solidão,
provavelmente o que mais retenho de Agostinho

Baptista, o que mais gosto, tu não?»
Mas do que gostava mesmo era dos seus olhos,
da sua boca, de imaginar como seria.

No carro vi as suas pernas conduzirem-me.
«... sim, sim. É o mais antigo e o mais moderno
dos poetas d'hoje...» Parou, saímos.

Junto ao mar doía a demora da entrega.
O vento, contrário ao previsto, ajudava-a
e foge-me com gestos precisos «... no fundo

não sei bem porque gosto dessas metáforas.»
Sentámo-nos. «A poesia deve ser assim,
imagens vindas de longe por uma dor tão perto.»


(de A Voz que nos Trai, livros Cotovia, 1997)

16.4.12


O vento a fazer-me chorar, o vento
Solução fácil para a descoberta
Da desilusão. O vento é a perda
Do corpo arrumado, dos dedos limpos,

A dar-me conta da força que tenho
Em cada fenda nos lábios. O vento
Coisa invisível, macia, letal,
Sopro em mim de fora, desordenado.

O vento é sal, subida, espécie de onda
A cobrir saudades na praia mansa
Em que os pés se enterram na vaga areia.

E muda, o vento, quando agita árvores
De grande porte, de folhas incertas.
Muda para ser o que é, silente.