9.5.05





JAMES RUSSELL LOWELL

SOBRE UM RETRATO DE DANTE POR GIOTTO


E este és tu, que pálido fitaste,
Com calmo e frio olhar imarcescível,
As almas torturadas, e notaste
Cada pena, e passaste, inda impassível,
Salvo quando p'ra trás ousou lançar
Teu coração um proibido olhar,
E viu Francesca, como uma criança,
Montar serena teu corcel que avança
E com mão firme o seu orgulho dominar?

Com pálpebras descidas, fronte calma,
E olhar remoto, que interior divisa
Da bela Beatriz errando a alma
Em ilhas frescas de marinha brisa,
Atravessas das ruas o rumor,
Protegido de ouvi-lo pela flor
Que ela te deu e a tua mão levanta,
Essa palma que vem da Terra Santa; -
Aqui não há sinal da ruína e sua dor.

Mas há alguma coisa que contorna
Teus lábios, e do teu fado é profeta,
A sombra quando o eclipse inda não torna
Do negro disco a escuridão completa;
Alguma coisa que banir-te quer
Dos homens e vis fados do seu ser,
Ainda que Florença não houvesse
Fechado as suas portas, e tivesse
Deixado a tua eterna dor de te tolher.

Ai! o que segue destemidamente
Os ditames de uma alma de poeta
Vagueará, sem que o force o mundo insciente,
Em exilada solidão completa;
Mais que as muralhas de Florença forte
A muralha que o exclui, até que a morte
O solte, de amizade e lar, e faz
Que a sua oração seja a pedir paz
Como a tua, ó guerreiro altivo contra a sorte!

(tradução de Fernando Pessoa para a Biblioteca Internacional de Obras Célebres, publicada por volta de 1911 - editado por Arnaldo Saraiva em Fernando Pessoa, Poeta - Tradutor de Poetas, Lello editores, 1996)

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