14.2.08

[Pretendo continuar #5. Morada nova, mas já agora completa-se a novena.]


IBN 'AMMÂR AL-ANDALUSÎ

Evocação de uma beldade


porque terá a rola de chorar
ao sorrir da leve boca da manhã?
ela canta e bebe em seu afã
lágrimas de um coração a palpitar.

uma moça que a formosura visitou
ser a própria beleza acreditou
ou então sua amiga e companheira.

pelo olhar, é corça amedrontada
e, pelo colo, gazela intimidada
no deserto, de insólita maneira.

seu dorso, c'o salgueiro parecido,
é fonte de desejo ataviada
é canto de rola dolorido.

a boca é flor branca assediada
pelo rubro escuro dos seus lábios.
não a provar é falta condenada
por aqueles todos que são sábios.

traz-me tão inquieto esta donzela (...)
de olhar fatal! é tão frágil ela
como caule das folhas despojado.

a página do seu rosto delicado
vai alterada em terno vestido
que de rosas e chamas é urdido.

é aí que suas mechas de cabelo,
como escorpiões em atropelo,
são vistas pelos olhos do amante.

a brisa quis o sopro: num instante
no vento sul vogaram docemente
até à flama de um desejo ardente.

(tradução de Adalberto Alves, in Ibn 'Ammâr al-Andalusî – o drama de um poeta, Assírio & Alvim, 2000)

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