3.10.13

CARLOS BESSA


SAÍDAS PROFISSIONAIS

De repente, sem pose nem porquê,
desata a escrever como um vidente,
como um Rimbaud. Ele, o revoltado,
que publicará não tarda três ou quatro
poemas numa dessas revistas que
ninguém lê e que o tempo tornará
raridade, se contiver nomes que
sonem, que façam a alegria de
alfarrábios e coleccionistas.
Mas por ora é apenas silêncio,
sufoco. Ninguém lhe diz nada, nem mesmo
os amigos mais chegados. E como
ainda não sabe que a literatura
é sempre essa alquimia de esperar,
vai-se esquecendo. O ritmo é outro.
Não o dos versos, mas o da carreira.
Tornar-se-á um gestor de primeira e
acabará os dias rico e feliz,
a dizer aos netos que a poesia é
uma mentira e que ele teve sorte,
abriu os olhos a tempo.



ALÍVIO RÁPIDO

A idade da poesia cedo nos abandona.
A prosa, pelo contrário, vai-se tornando imperativa,
obriga-nos às flexões da fala e encobre,
com elas, possibilidade tão bela, tão nobre.
Como se falar fora maneira de transformar
o menos em muito, e assim em paz com os sonhos
e com menos ânsias nos dedicássemos
à arquitectura das grandes causas,
a família, o emprego, as heranças.
Morre-se tanto à espera da sorte grande.
Por isso, quando dizes amanhã todo eu me esforço
por não cair no mau teatro dos cúmulos,
o do forno, o da panela ao lume. Mas, confesso,
as palavras enchem-se de crude e empoladas
e vulgares, nesse tom tão rente ao risível,
não dizem, planam, afectadas, vazias.
Só depois me lembro que o amanhã é próprio
da meteorologia e que esperar
foi sempre um propósito digno. Mais não seja
porque o coração precisa de uma ginástica
rude, que o endureça e torne elegante.


(de Dezanove Maneiras de Fazer a Mesma Pergunta, Teatro de Vila Real, 2007)

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