TERESA BALTÉ
O que mais surpreende em Teresa Balté é a aparente facilidade com que se apropria um simbolismo que pede ao leitor perante essa poesia tanta inteligência e sensibilidade quanto lhe possa dispensar mas que, mesmo sem esse esforço é sentido (pelo menos sentido!) pelo mais mediano dos leitores de Poesia. – José Blanc de Portugal
Nasceu em Lisboa em 1942. fez o liceu em Faro. Frequentou as universidades de Hamburgo e de Lisboa onde se licenciou em Germânicas. Começou a publicar em 1962. Tem traduções dispersas por várias antologias e revistas. Publicou, também, um ensaio sobre a obra do pintor, desenhador e ceramista alemão Hein Semke, que se radicou em Portugal, cujos desenhos são, aliás, presença habitual nos seus livros.
Seria muito bom que se prestasse mais atenção à sua poesia que tem evoluído de forma discreta, coerente e segura.
No horizonte aonde a seiva ascende
silenciosamente a melodia
saúda brahms na savana
ao ocaso a memória ainda abrasa
a fronte do intérprete
a resina o coração da árvore
gerador porventura órgão portátil
o vento nos abcessos
não irrompe arabescos candelabros
como alguém já designou os braços arcos
o infinito procurar dos laços.
(de Horizontes Portáteis, editorial Inova, 1977 – colecção coroa da terra)
ANJO I
Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina
as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas
a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito
ANJO II
A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago
o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.
(de Metamorfoses, 1980 - colecção O Oiro do Dia)
a A.R.R.
entre as gaivotas ali onde a palavra
não é música nem voz articulada
só grito sem apelo o elemento
entre rochas e mar
onde o eco não ouvido te assinala
o coito o perigo o parto e o silêncio
o mais é nada – a morte – ou é tão pouco
aí procuras os limites do corpo
o teu significado
não dialogas aceitas o rigor do homem
dele partes
não escutas as mensagens elas param
no cerco dos sentidos
cristal ignoras o sismo que te abala
a raiva que te rasga
espelho devolves o sol que não te aquece
para além da superfície
emerges na aridez suposta de ti
o que não sabes
circulas no pulso todavia incorruptível
das substâncias
germinas em metáforas repousas em potências
proliferas
não nas metamorfoses na memória
das partes da viagem
porque esse delírio não tem vasos
jamais o ultrapassas
pássaro homem labareda
o grito não acaba
(de Mediações, Contexto editora, 1983)
POEMA
Quase não ouso escrever
já disse tudo
articulo a voz pelo caminho:
inspiro a manhã
cintilo ao vento
solto-me ao passar pelo mundo.
SINAL VERMELHO
o assomar da nuvem no céu claro
o avançar do carro
a desaparição
O
Dizer asa e labirinto
sem evocar mitos nem sinónimos
ou então chamar-lhes deus ou outro nome
ou calar-me nos tempos mais próximos.
PENUMBRA
Vimos da escuridão e somos luz
ou nascemos da luz e somos sombra?
VOO
É a finitude que enternece
Enverga as asas do corvo e da pomba
derrama no rio a tua dor
afaga a penugem da penumbra
(de Poemas dos Últimos Anos, publicações Dom Quixote, 1990 – colecção O Aprendiz de Feiticeiro)
mas é romano ou romântico?
Há 14 horas
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