26.7.03

FRANK O'HARA

Nasceu em 1926, em Baltimore (EUA).
Estudou música e inglês em Harvard e formou-se na Universidade do Michigan. Entretanto escreve peças de teatro e emprega-se no Museum of Modern Art, de Nova Iorque onde chegará a ser Conservador das Exposições de Pintura e Escultura.
Os seus interesses abrangem toda a criação artística, característica comum ao grupo a que se chamou "poetas de Nova Iorque".
Morreu em 1966 num desastre de automóvel.


POEMA PESSOAL

Agora quando passeio à hora do almoço
já só tenho dois amuletos no bolso
uma velha moeda Romana que Mike Kanemitsu me deu
e um parafuso que se soltou de uma mala
quando estive em Madrid os outros nunca
me trouxeram muita sorte embora me ajudassem
a permanecer em Nova Iorque contra coerção
mas agora por algum tempo estou feliz e interessado

caminho pela humidade luminosa
passando pelo líquido e as poltronas
da House of Seagram e a construção à
esquerda que fechou o passeio se
alguma vez trabalhar na construção
gostaria por favor de ter um chapéu de prata
e chego ao Moriarty?s onde espero por
LeRoi e ouço quem quer mexer-se e
rebolar-se nos últimos cinco anos a minha percentagem
de batimento é só 0.16 e LeRoi entra
e conta-me que Miles Davis foi espancado 12
vezes ontem à noite à porta do BIRDLAND por um chui
uma senhora pede-nos um níquel para uma doença
terrível mas não lhe damos não
gostamos de doenças terríveis, depois

vamos comer peixe e beber cerveja está
frio mas cheio de gente e decidimos não gostar
de Lionel Trilling, gostamos de Don Allen, não gostamos
de Henry James tanto como de Herman Melville
não queremos ficar no passeio dos poetas em
São Francisco aliás só queremos ser ricos
e caminhar nos andaimes com chapéus de prata
pergunto-me se alguma pessoa destes 8 000 000
pensa em mim enquanto aperto a mão a LeRoi
e compro uma pulseira para o relógio e volto
feliz para o trabalho pensando que talvez


PORQUE NÃO SOU UM PINTOR

Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,

Mike Goldberg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens SARDINHAS aí».
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão as SARDINHAS?»
o que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.

E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
LARANJAS. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.

(de Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço, Assírio & Alvim, 1995 - tradução de José Alberto Oliveira)

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