CARLOS NEJAR
Nasceu em 1939, em Porto Alegre, Brasil.
Advogado, chegou a fazer estudos em Portugal nessa área.
Tem mais de vinte livros originais de poesia e tem recebido inúmeros prémios ao longo de quase 45 anos de publicação.
Escreveu também romances, ensaios e literatura infanto-juvenil.
LIMITE
Meus mortos, somos ligados
ao mesmo monte.
Porém, o que nos separa
é o estar adiante.
Não vos atinjo
e esta distância
é que me torna cativo.
Há um invólucro apenas
a ser quebrado.
Meus mortos,
há um invólucro apenas
e os meus sonhos vastos.
(de Ordenações, 1971)
Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.
Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.
Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.
(de Canga (Jesualdo Monte), 1971)
MORA JUDICIAL
Demorou o processo
no armário do século.
Nenhum juiz sentenciava
esta causa
de perdas civis.
Aos poucos
o fogo do feito
extinguiu-se:
os interesses
mudaram os fechos,
as trancas da porta.
Mudaram
de casa e de horta.
Uma ninhada de codornizes
se alojou no processo
entre boninas e raízes.
Na justiça
só a flor do tempo
vinga.
Não há migrações de pássaros,
apesar de serem terras arrendadas
ao céu, ao sol, à chuva.
E o homem
obtém do litígio
a derrubada de árvores.
Nunca
a derrubada do mal
- sua guerra púnica.
ELEGIA
Liberdade,
sem ti nada mais sei.
Compreendi o mundo
em ti, sutil
compêndio.
Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.
Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.
E sou tão doido
que o riso inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.
(de O Poço do Calabouço, Moraes editores, 1974 - Círculo de Poesia)
CANÇÃO PIEDOSA DAS COISAS
Amas as coisas e elas
não podem amar sozinhas
como se fossem boninas
no teu canteiro de folhas.
Talvez coisas andorinhas
numa cômoda horizonte
não podem amar sozinhas
quando nelas tu repousas.
Amas, piedosa, as coisas,
a elas te identificas,
como se fossem raposas
surpreendidas na fadiga.
Ou talvez, raposa a noite
no milharal escondida
ou sob a lua, seu monte,
as coisas se enterneciam
na casa. Sou eu chegando,
é o espaço de tua cama,
o lençol bordado em anos
onde teu corpo enrolaste
junto ao meu. E nos ganhamos.
(de Livro de Gazéis, Moraes editores, 1983 - Canto Universal)
8
Os índios não se davam ao senso de inventar o tempo.
História não havia.
Não fora vivida. Desvivia-se até cair a luz do sol no peito silvestre do (m)ato.
Inventar não: é o só vivendo. Na nudez.
Sem urdir os sonhos, ir sonhando.
E era uma língua de ocasos e dispersos labirintos.
Às vezes, uma fonte baixava na incessante fala sem antes, após, durante, poentes, agoras.
E o tosco informe das modorrentas cores de cada índio.
Um sonho batendo noutro. Infinito.
(de A idade da Aurora: Fundação do Brasil, rapsódia, 1990)
XXVII
AQUÉM DE SUA VONTADE
Não busques o equilíbrio
nas coisas. Elas jazem
aquém de sua vontade.
Nem no dia que se alteia
longe de teus braços.
O equilíbrio é um arrabalde,
um corte na justiça.
Nem o amor, nem o antigo
vagar dos planetas.
Nada te equilibra,
nada salva
seu rumor de semente.
(de A Ferocidade das Coisas, 1980)
[além dos poemas editados em antologias, Carlos Nejar tem três livros de poemas publicados em Portugal: O Poço do Calabouço, Livro de Gazéis e A Idade da Eternidade, poesia reunida (para a Imprensa Nacional, em 2001) que inclui A Idade da Aurora: Fundação do Brasil; Elza dos Pássaros ou a Ordem dos Planetas; Aquém da Infância; Memórias do Porão; A Ferocidade das Coisas e os inéditos Livro de Vozes; Os Mortos Visíveis e Rumor das Idades. Há ainda uma antologia, organizada por António Osório, também intitulada A Idade da Eternidade.
Carlos Nejar organizou, para a Imprensa Nacional, em 1986, a Antologia da Poesia Brasileira Contemporânea]
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