8.12.03

[mais um na blogolândia]

JACINTO LUCAS PIRES

[primeiro parágrafo de]
Sombra e Luz

À minha frente estava um homem com duas caras. O comboio atravessava a noite escura. Uma cara olhava-me do vidro, por dentro dela passavam quintais, luzes, casas negras, pessoas, luzes, árvores de braços cortados, luzes, a outra, que o homem tinha sobre o pescoço, via o que lá fora era de ver. Os dois olhares, não sei como, não se cruzavam. Era estranho aquilo. O reflexo era mais real do que a coisa reflectida. Pensei então que o homem era feio. Tinha as sobrancelhas muito grossas e juntas, o nariz torto, a boca indecisa, a barba mal feita, os cabelos grisalhos. A seguir pensei que era bonito. Olhava-me.
(...)

(de Para Averiguar do seu Grau de Pureza, livros Cotovia, 1996)

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