9.6.09

PEDRO BRAGA FALCÃO

XXIV


Se houvesse faróis suficientes
em todas as encostas e cabos,
se toda a deriva trouxesse
cantos épicos e novos sinos,
por deus, escreveria odes
outras que não te canto.
Tanta praia a escurecer,
tanto sol-posto, sentado,
debruçado sobre um sem tempo,
esperado pelo mundo,
comungando sem desejo.
Que houvesse monges e milénios
de um ócio inexpugnável,
que a alma vazia fosse mansão
de um ruído semelhante ao mar
para que eu fosse por ti desejado,
tanto quanto aqui existisse amor.
Esse espaço não tem sentido,
que ocupas.
Tanto és como outra surges.
A inconstância custa-me a paz,
e as línguas de terra pelo ponto adentro
iluminam sempre a mesma costa,
jogos de três espelhos, sem arcos.
A viciosa sorte desanima-me,
os joguetes de mãos nocivas
esgueiram-se entre os arvoredos.
Talvez consolado por essa água
que de sal me apresenta a noite,
caí sem oriente.
O corpo ferido reclama o teu descanso,
misteriosamente minha.
Estou sujo. Os faróis morrem.
Encontrasse eu outros portos
onde menos fosse o vento
e mais a tua presença.

(de Do princípio, edições Cotovia, 2009)

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