7.3.11

CEES NOOTEBOOM


[...] O professor de Neerlandês, bom, se alguém quisesse caricaturar esse tipo humano, podia tomá-lo como modelo. Ensinar aos alunos uma língua que já conheciam desde o útero, perverter a pululação selvagem dessa língua com o matraquear fastidioso de números ordinais, formas duplas de plural, verbos de partículas separáveis, atributos ou locuções preposicionais, ainda se aceita, mas ter o aspecto dum escalope mal passado e falar de poesia, isso é ir longe de mais. E ele não se limitava a falar de poesia, escrevia também poemas. De dois em dois ou de três em três anos saía uma colectânea minúscula das notícias da morna província da sua alma, versos desdentados, comboios de palavras à deriva no branco das páginas. Se acaso viessem a colidir com um só verso de Horácio desintegrar-se-iam sem deixar rasto.


(excerto de A História Seguinte, tradução de Ana Maria Carvalho, Quetzal editores, 1993)

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