FILINTO ELÍSIO
ODE
Em 23 de Dezembro de 1805, dia dos meus anos
Vate, que mandar quer à eternidade
Seu nome e seus escritos
Talhe os seus pensamentos, talhe as vozes
Pelos moldes de Píndaro.
Imprima na memória que, sentado
Coas Musas, com Horácio,
O vê num tribunal severo, augusto,
Onde condena e risca
Quanto mingua da lírica sublime,
Que em seus cantos ressoa.
Assim moldava Elpino as suas odes,
E com nobre ousadia
Ia ao conclave douto apresentá-las.
De Elpino ao lado, Alfeno
Cantatas e sonetos e altos hinos
Também lá modulava.
Ambos louvor das Musas conseguiam.
Pobre de mim, coitado,
Que nunca irei, coa minha ensossa prosa,
Causticar os ouvidos
Das Musas, nem de Horácio, nem de Píndaro,
Quando mormente a idade
Com mão avara me murchou na mente
Toda a flor, todo o brilho
De ingenhosas ficções, de altivo canto!
Muito há que é já volvido
O tempo em que eu cantei Gama, Albuquerque,
Cantei Delmiras, Márcias,
Com sons que eu escutava à minha Clio,
Essa Clio, que, olhando
Minhas cãs, me deixou ao desemparo,
Para ir folgar mui pronta
Cos alunos, que inspira lá na Elísia.
Traz mágoas mil consigo
A velhice; e não é a menor delas
Quebrantar os impulsos
Com que o génio ao sublime se arremessa.
Hoje mesmo, que esforços
Mais que sobejos fiz por dar um salto
Às margens do Permesso,
Exausto o corpo, os pés enfraquecidos
Negaram obediência.
Fiz promessas a Febo, invoquei Musas;
Contei-lhes que era o ano
Sobreposto ao meu lustro quatorzeno;
Inculquei-lhes, com súplica,
Que dois leais amigos, que Delmira
Em dia tal esperam
Divinos toques de canoro plectro
Que celebrem o assunto.
Inútil foi o esforço, o rogo inútil,
Fiquei aquém das margens
Lastimando meus fados desvalidos.
Apenas lá de um eco
Respirou uma voz fraca e mesquinha,
Com este desconsolo:
— És velho, e um velho só com sons caducos
Desentoa ruins trovas.
(in Poesias, livraria Sá da Costa, 1941)
dois docinhos do Xana
Há 6 horas
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