3.6.05

EUGÈNE IONESCO

Para se escrever, é preciso não se ter nada para fazer, não ter um romance, ou uma peça ou um ensaio, ou um discurso para escrever.
Escrevo porque não tenho de escrever. Não sou obrigado. Não escreverei quando começar a escrever a minha peça (que espero poder, ter tempo de, escrever).
Mas, neste momento, diante deste belo jardim, com esta bela cerca à volta ? como não tenho nada que escrever, escrevo... Escrevo.
Escreva, continue a escrever para enriquecer a língua francesa.
Eu não deveria gracejar. Mas deve gracejar-se, claro.
Podemos fazer gracejos amargos, doces, desagradáveis, agradáveis, cruéis, ternos, cor-de-rosa, negros, temíveis, tranquilizadores, delicados, indelicados, perversos, honestos, sentidos, malcheirosos, calmantes, exasperantes, tristes, alegres, salgados, sem sal, apimentados, melífluos, lisonjeiros, acerbos, banais, originais, doentios, saudáveis, ociosos, pedantes, aborrecidos, inquietantes, alucinantes, realistas, irreais, risonhos, corteses, descorteses, secos, sumarentos, nobres, burgueses, populares, truculentos, simplistas, tristes, dementes, petulantes, fora de moda, modernos, insignificantes, arejados, viciados, etc... etc...
Colocar por ordem. Se tiverem - e vocês têm - tempo a perder. Em vez de lerem Agatha Christie, por exemplo.

(in A Busca Intermitente, tradução de Manuel João Gomes, Difel, 1990)

Sem comentários: