8.4.14

GOTTFRIED BENN


A TI TUDO TENS DE DAR

Dá no teu contentamento,
no morrer, trocados antes
o sonho e o pressentimento,
esta hora, o seu alento
tão de umbelas sussurrantes,
a foice, as marcas do Verão
dos campos orientadas,
bilha e taça de água em tão
doce fadiga inclinadas.

Tens de dar-te tudo, os
deuses nada te vão dar,
dá-te esse leve pairar
por entre rosas e luz,
ao que em céus já azulou
vai-te a seu encanto dando,
o último som passou
escuta-o silenciando.

Fosses o Só tão-somente,
fosse a cerração criada
por ti, ah vai a silente
e pura estrada apagada,
é já a hora, leve desce
a hora do fuso na luz,
em sua roca a parca a tece
e o fuso a cantar conduz.

Fosses a grande ruptura,
o choro em ti se prendeu,
lágrimas são água dura
que sobre pedras correu,
tudo ficou consumado,
nem choro nem ira crus,
tudo em vagas deslumbrado
e teu em rosas e luz.

Hora doce. Envelhecer!
Já oferecido o brasão:
touro entre tocheiros, ver
tochas viradas ao chão,
só de praias, só de um mar
laranja, dos Lidos, fundo
esfingídeo enxamear
guia as sombras a este mundo.

Tudo te deste, assim queiras
dar-te a última alegria,
toma o bosque de oliveiras
e as colunas todavia,
já os membros desfalecem,
teu rosto final traduz
que mensageiros lhe descem
todos em rosas e luz.


(versão de Vasco Graça Moura, in 50 Poemas, Relógio d'Água, 1998)

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