30.9.03

[outros melros VI]

TED HUGHES

O Melro


Tu eras a carcereira do teu assassino -
o que te tinha aprisionado.
E sendo eu teu enfermeiro e protector
a tua pena era também a minha.

Fizeste de conta que te sentias bem. Enquanto te alimentava,
comias, bebias e engolias
deitando-me olhares sonolentos, como uma criança de peito,
por baixo das tuas pálpebras.

Alimentaste a tua raiva de prisioneira, nas masmorras,
pelo buraco da fechadura -
então, de um salto, como se picada por uma víbora, subiste
de novo a escada de caracol, sem luz.

Rostos de papoilas gigantes flamejaram e chamuscaram
a janela. «Olha!»
Apontaste com o dedo um melro que puxava
uma minhoca de um gargalo de garrafa.

O relvado ali estava, como a página prístina esperando
um relatório de prisão.
Quem o ia escrever e o que diria
foi coisa em que nunca pensei.

Uma criatura muda, enroscando-se à porta da fornalha
sobre as suas forquilhas diabólicas,
era já uma caneta que escrevia
o que está errado é verdade, a verdade é erro.

(de Cartas de Aniversário, tradução de Manuel Dias, Relógio D’Água editores, 2000)

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