GOMES LEAL
Cantiga do campo
Como eu adoro as tuas «simplicidades!»
Heine
Porque andas tu mal comigo,
Ó minha doce trigueira?...
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Quando entre as mais raparigas
Vais cantando entre as searas,
Eu choro, ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noites claras!...
Os que andam na descamisa
Gabam a viola tua,
Que, às vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.
E falam com tristes vozes
Do teu amor singular
Aquela casa onde coses
Com varanda para o mar.
Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!...
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!
E andar contigo, ó meu pomo,
Exposto às chuvas e aos sóis...
E uma noite morrer como
Se morrem os rouxinóis!
Morrer chorando, num choro
Que mais as mágoas consola,
Levando só o tesouro
Da nossa triste viola!
Porque andas tu mal comigo,
Ó minha doce trigueira?...
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
(de Claridades do Sul, 1875; 2ª edição, revista e aumentada: 1901 - retirado da edição de 1998, de José Carlos Seabra Pereira, para a Assírio & Alvim)
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