ANTÓNIO RAMOS ROSA
Há uma certa cegueira vidente no poema e na palavra silenciosa
que o precede e o move. Sem essa parte obscura a palavra
imobilizar-se-ia na evidência da sua visão. Por isso, escrever é
avançar, de ruptura em ruptura, através de um domínio obscuro
onde, a cada passo, se nos depara algo imprevisível. O poema
não reproduz nem designa porque o seu movimento se antecipa à
cristalização dos conceitos e das enunciações póstumas. O seu
objectivo não é o real, mas a energia nascente que incorpora na
sua dinâmica substância. O que se retira ou se retrai é idêntico ao
que se manifesta e se ausenta na sua própria manifestação. Nunca
a palavra é uma doação integral da presença mas o seu horizonte
mantém-se na abertura viva a si própria e ao mundo que a rodeia
no interior do seu círculo inaugural.
(de Relâmpago de nada, Labirinto, 2004)
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