DANÇARINO DE BRUNEI
Ao Ruy Cinatti
Em fortes linhas de contorno suave
e em passos que se pousam prolongando
o gesto da nudez quase completa
(ou sim, completa, pois que um breve pano
descendo da cintura nada cobre ou veste)
de um corpo que se ondula duro e frágil
como de amor a força requebrada,
a mesma dança nesta imagem quieta
é suspendida num momento. Os pés
assentam, um, nos dedos só, e o outro
cruzado à frente a perna torce um pouco.
Maçãs do rosto e os olhos concentrados
São como a franja do cabelo fluidos
Neste relevo brônzeo de uma luz de lado.
E ao torço que da cinta se levanta
um colar marca as linhas do pescoço
em que a cabeça se ergue delicada.
É de Bornéu e um povo primitivo
esta figura. Uma elegância tal
são séculos de humana perfeição
que gente gera num saber da vida.
Quando será que de ocidente a morte
virá matar-nos, antes que matemos
com deuses feitos homens os humanos deuses
que já tão poucos sobrevivem límpidos
como este corpo se dançando em si
(e as mãos paradas segurando os ares)?
19/1/1974
(de Metamorfoses, 1963)
N. do A.: Este poema foi inspirado pela fotografia que o ilustra e que era uma das que fazia parte do artigo, «Brunei, Abode of Peace», de Joseph Judge, com fotos de Dean Conger, publicado em National Geographic, vol. 141, n.º 2, Fevereiro de 1974. (...) A vasta ilha de Bornéu, por onde andaram os portugueses quando mandavam no Oriente, está hoje politicamente dividida entre a Malásia e a Indonésia. Mas, na parte malaia, há um enclave - Brunei - que é um «sultanato» protegido pela Grã-Bretanha. Os leitores de Somerset Maugham, entre os quais fielmente me contei por longo tempo (e de certo modo ainda conto), por certo lembrarão de quanto ele usou deste lugar em que viveu algum tempo. O dançarino da foto, que não é já um jovem, pertence a uma das tribos - os Pumanas - mais fugidias do sultanato, nómadas que eram e eventualmente ainda são. (nota incluída em Poesia II, 1977)
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