XXVIII
(Comício.)
Tudo começa na boca
- ao princípio era o verbo -
combinação de palavras com o sangue.
Discursos, discursos, discursos...
Palavras com fogo ritual.
Palavras com mãos que empurram os homens,
abrem abismos,
estrangulam,
deitam chumbo derretido nas chagas,
magoam de existir.
Dêem-e palavras. Tomem palavras...
Palavras não faltam, já tão velhas que parecem novas,
recém-nascidas com as mesmas raízes
ignoradas.
É esse o milagre:
nascer todos os dias
nas bocas esquecidas
dos fios de prumo.
Palavras
- silêncio que agride,
os passos do fumo.
XXIX
(Grito «NÃO!» à revolução de flores de retórica.)
Revolução das flores?
Sim.
Mas não apenas para disfarçarmos com bandeiras de cravos
o pólen das Áfricas dos nossos lutos.
Queremos flores
que já tragam no ventre
o sabor dos frutos.
(de Maio-Abril / 1968-1975, in Poeta Militante, Viagem do Século Vinte em mim - III, 1978)
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