[para assinalar a chegada de um blog com nome de livro]
PAULO JOSÉ MIRANDA
A voz que nos trai
Talvez, é aquilo que nos pode servir de desculpa,
que dá sentido a uma espera, ao empenhamento dissimulado,
à mentira mais profunda que se pode erigir.
Não é nem velho nem novo, e a meio caminho da vida e da morte
encontra-se consigo a medir tarefas, dinheiros, tempo.
A beleza é sempre tardia junto ao corpo.
Quem se não reconhece ao virar de si sofre inutilmente,
deita-se para não acordar, levanta-se para muito pouco mais.
Jogamos a mão a um livro como se não temesse a morte
e a voz que se escuta trai-nos de todo a vida.
Talvez, que a beleza é sempre tardia.
Quando a carne se rasgar por dentro numa úlcera,
o hálito denunciar o declínio das suas esperanças,
talvez então aí encontre a verdade que procura,
talvez encontre o que sempre soube com medo,
porque nem sempre escondeu a sua vida.
Uma veia que se entope, a visão perdida,
os talheres e os copos a agitarem-lhe as mãos
e ao espelho cada ano um velho desconhecido,
será este o diagrama do fracasso, de uma vida?
Talvez as culpas fiquem por atribuir,
talvez que de um outro modo pudesse tudo ter sido diferente,
talvez não caminhasse para a miséria, para a morte, um nada sem fim.
Talvez, que a beleza é sempre tardia, junto ao corpo.
(de A voz que nos trai, edições Cotovia, 1997)
Cinza, Rosa Oliveira, Tinta da China
Há 1 hora
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