P. - Chatearam-no muitas vezes?
R. - Não é chatear muito; é que eles tinham o poder de chatear sempre que quisessem. Até podiam deixar passar vinte anos sem chatear, mas ao fim de vinte anos lembravam-se: "Olha este, vamos chamá-lo". Era uma coisa sempre pendente em cima da cabeça, uma espada. Tinha medo de ir ao telefone, tinha medo de ir ao correio: não me tratavam mal, nem me batiam, mas era uma coisa muito chata, muito humilhante ir às apresentações. Sempre me deitei muito tarde e sempre me levantei muito tarde, o que para a polícia era horrível: "não trabalha", essas coisas. E há uma manhã em que a minha irmã Henriette me chama e diz: "Mário, acabou a ditadura" - "O quê?", "Acabou a ditadura". Saio para a rua com uma máquina fotográfica e durante quase um ano, não foi um ano certo, mas quase um ano, fosse qual fosse a hora a que eu me deitasse, às oito horas eu levantava-me de cabeça fresca. Percebe o que isto quer dizer...
(excerto da entrevista Amor, Liberdade, Poesia, conduzida por Óscar Faria, in Público, suplemento Mil Folhas, 19 de Janeiro de 2002)
1 comentário:
Brutal...
Auuuuuuuuuuuú...
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