10.11.13

LEÓN FELIPE


TALVEZ ME CHAME JONAS

Eu não sou ninguém:
um homem com um grito de estopa na garganta
e uma gota de asfalto na retina.
Eu não sou ninguém. Deixem-me dormir!
Mas às vezes ouço um vento de tormenta que me grita:
«Levanta-te, vai a Nivine, cidade grande, e prega contra ela.»
Não faço caso, fujo pelo mar e deito-me a dormir no canto mais escuro da nave
até que o vento teimoso que me segue volta a gritar-me outra vez:
«Que fazes aí, dorminhoco? Levanta-te.»
— Eu não sou ninguém:
um cego que não sabe cantar. Deixem-me dormir!
E alguém, esse vento que procura um funil de trasfega, diz junto de mim, dando-me com o pé:
«Cá está; farei uma buzina com este oco e velho cone de metal;
meterei por ele a minha palavra e encherei de vinho novo a velha cuba do mundo. Levanta-te!»
— Eu não sou ninguém. Deixem-me dormir!
Mas um dia atiraram-me ao abismo,
as águas amargas rodearam-me até à alma,
a ulva emaranhou-se na minha cabeça,
cheguei até às raízes dos montes,
a terra pôs sobre mim as suas fechaduras para sempre...
(Para sempre?)
Quero dizer que estive no Inferno...
De lá trago agora a minha palavra.
E não canto a destruição:
apoio a minha lira sobre a crista mais alta deste símbolo...
Eu sou Jonas.



(tradução de Pedro da Silveira, in Mesa de Amigos, 2ª edição: Assírio & Alvim, 2002)

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