2.3.14



DESESPERO
(5 desenhos de ROGÉRIO RIBEIRO, num livro oferecido pelo Amadeu Baptista)


I
É impossível saber
Quantos nomes temos
Num só corpo.

Impossível também a voz
Que ama, a mão que toca,
Tudo, todos, sempre,

Alterando timbres,
Deixando suceder as cores
Constatando a impossibilidade.




II
O desequilíbrio acontece
Sempre em nós próprios
Na presença do outro,

De quem ali está, incerto,
Presença a confirmar
Ausência. O vazio

Alheio a nós, do outro lado
Do desamparo. E o corpo
A não saber chegar ao chão.


III
A ânsia de alguma coisa,
Nada, a sede de ter
Um rosto visível. Não

O quase limite de estarmos
Todos
Debaixo do mesmo céu,

Dentro de uma esquadria
Demasiado exígua. Não
Apenas a sobrevivência.



IV
Não perceber, não reconhecer
Quem, quantos de nós
Estamos vivos. Desejar

A forma do próprio rosto
Ainda – até quando? –,
Para não a perder. Esticar

Os braços
Como quem grita sabendo
Que nunca será ouvido.



V
Ainda o rosto, ainda
A forma dele
Simplificada à margem

De uma fuga ou
Vislumbre de ausência.
O nada de um corpo

É não ser visto. Uma
E outra são o mesmo,
Desconexas.


Desespero, 2003
Acrílico s/ papel
56 cm X 76 cm
(reproduzidos a partir de Rogério Ribeiro / Desenho, Galeria Municipal de Montemor-o-Novo, 2005)

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