SHAHD WADI
Os versos seguintes do fecho do poema de Suheir Hammad
cantam justamente esta presença e insistência em narrar a memória palestiniana
e em recriá-la. Herdamos a memória de um ramo de uma oliveira palestiniana que está
mesmo dentro do nosso corpo, mas tossimos este ramo na forma de um poema. Todas
as histórias e símbolos que estão na memória palestiniana estão reconfigurados através
da arte e desta vez esta pós-memória vai ficar, pois tornou-se numa memória física:
um objeto de arte. A nova memória transformou-se num poema e numa kafye
palestiniana, muito bem costurada, e ambos contam as nossas histórias de vida
do passado e do presente (HAMMAD, Suheir (2010) Born Palestinian Born Black
& The Gaza Suit, Brooklyn: UpSet Press):
agora
eu sou a filha
a cuspir o ramo de oliveira
o filho reconstruindo a nação
o pai a reconstruir-se
eu sou a mãe
a cerzir as nossas histórias em kafiyes
cerzidos à nossa terra
de lágrimas e sangrar
por anos e por amor
cirzo a história
phalesteen
num kafiye
que não se desmancha nunca
Comentando os versos de Suheir Hammad, abu-Lughob & Sa’adi
defendem, como vimos atrás, que é através da poesia, dos filmes e de outras
formas artísticas que se opera o ato do testemunho de uma história que não é só
sua – das gerações nascidas já no exílio – mas também a dos pais e avós,
mantendo assim viva a memória coletiva. Suheir Hammad começa o poema com “now”,
que é como quem diz: agora somos nós, é a altura desta geração contar a historia
palestiniana, à nossa maneira, agora. Através destes versos de RAP cheios de
raiva, Suheir Hammad torna-se o filho, a mãe, o pai que construíram a história
e construíram a nação, mas sobretudo Suheir Hammad/eu/nós somos “a filha / a
cuspir / o ramo de oliveira”. Quando abrimos a boca para contar uma história,
qualquer história, tossimos do nosso corpo um ramo de oliveira, tossimos a
história palestiniana. Trata-se de uma história bordada, escrita, pintada,
cantada e dançada, uma história nossa de vida coletiva e pessoal que sai do
nosso corpo, sem esforço, exatamente como respirar.
(excerto do capítulo III de Corpos na Trouxa:
Histórias-artísticas-de-vida de mulheres palestinianas no exílio, edições
Almedina, 2017; omito aqui o texto original do poema, em inglês)
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