10.7.03

Frei ANTÓNIO DAS CHAGAS

[passei a manhã em visita ao Convento do Varatojo (Torres Vedras), guiada por um dos frades da Comunidade (são 15 no total). Por lá passaram figuras franciscanas muito ilustres e até lá chegou a viver D. João VI, como se fora um dos frades.]

Nasceu na Vidigueira, de família nobre, em 1631. Secularmente chamava-se António da Fonseca Soares. Por amor à pátria fez-se soldado, mas a vida dissoluta e libertina envolve-o num crime e tem que fugir para o Brasil. Entretanto regressa a Portugal e colabora na Fénix Renascida e no Postilhão de Apolo, sendo considerado um dos mais interessantes poetas do seu tempo. Após várias crises religiosas e recaídas, decide-se definitivamente pela vida religiosa, professando na Ordem Franciscana, em Évora, indo posteriormente para o Varatojo, onde desenvolve importante acção pastoral e renovadora. Aí morreu em 1682.
Tanto quanto sei, os seus poemas apenas estão disponíveis em (poucas...) antologias.

A uma dama que lhe mandou um favo de mel

Romance

Menina, este vosso favor,
favor é que não agradeço,
porque algum dano encobre
pores-me o mel pelos beiços:
Se para a cera do Favo
quereis pavio, eu prometo
dar-vos um tão bom pavio
que vos dure sempre aceso:
E é de sorte, vida minha,
que julga quem pode vê-lo,
de círio pela grandeza,
de brandão pelo bem feito:
Não cuideis que isto vale pouco
porque disse Sucarello
há parte donde às vezes
vale mais a mecha que o sebo:
Se para o vosso cortiço
quereis enxame, eu o tenho,
com tão boa abelha mestra
que não sofre zângãos dentro:
e se a crestar essa colmeia
quereis vir, não tenhais medo
deste furão que é mais doce
que o próprio mel desse termo:
Porém, amiga, ide embora,
que eu de tal favor receio
que quem favo hoje me manda
que à fava me mande cedo.

(Manuscrito da B.N.L. 8575, trasladado por Natália Correia para a Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, 1965 - 3ª edição, 1999)

Ao Cavalo do Conde de Sabugal, que fazia grandes curvetas

Galhardo bruto, teu bizarro alento
Música é nova, com que aos olhos cantas,
Pois na harmonia de cadências tantas
É clave o freio, é solfa o movimento.

Ao compasso da rédea, ao instrumento
Do chão, que tocas, quando a vista encantas,
Já baixas grave, e agudo já levantas,
Onde o pisar é som, e o andar concento.

Cantam teus pés, e o teu meneio pronto,
Nas fugas, não, nas cláusulas medido,
Mil consonâncias forma em cada ponto.

Pois em falsas airosas suspendido,
Ergues em cada quebro um contraponto,
Fazes em cada passo um sustenido.

(in Poesia Portuguesa do século XII a 1915, organizada por Cabral do Nascimento, Biblioteca Básica Verbo - Livros RTP, 1972)

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