29.6.05

ARMANDO DA SILVA CARVALHO

21.


O verso fabricado não caiu repentino
da pálpebra perfeita.
Também não foi um pulo. Nem o motor
pateta de quem quer dar ao dedo.
Na fissura do liso alfabetado
ardeu a impaciência - agora branda purga
contra os canais histéricos
que refluem no tempo.
Dizem do pobre, a pobreza de espírito,
a limitada obcessão do que é pequeno.
O rótulo não delimita a obra das matrizes
os cristais literários
que o dedo aflora e logo sai repleto
com essa carga eléctrica que explode no silêncio.
As câmaras vivas que a memória habita
reproduzem-se. A fala incha.
As babugens sonoras são este eco do mar,
do mar humano.
Coabitas agora com os parvos da história.
Os que arrastam nos gestos a identificação,
a idade senil dos personagens,
o rio contuso das turvas lavagens cerebrais
sobre um palco doente.
Ouve a bailarina, o arquiduque, o chefe
das metáforas. Toma tento em como se desfaz
a hipérbole cantante no rosto amarelado
e que simula a fala perversa do desejo.
Não isoles o verbo dos seus dados sonoros:
o jogo de mãos, as paulatinas figuras
dos sentidos, os espaços aéreos,
a branca curva que restringe sobre os cemitérios
o árido prazer que te relegam os mortos.
De cada coisa a cada coisa a luz.
A fístula que a febre insonorizou
na garganta doente
seja a poção metálica
seja o fulgor do cérebro na boca
entreaberta.

(de Armas Brancas, 1977)

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