[o canto e a ceifa VII]
SOARES DE PASSOS
MARIA, A CEIFEIRA
(imitação de Uhland)
«Bons-dias, Maria: da lida do prado
«Nem mesmo te afastam cuidados d'amor,
«Se ao fim de três dias mo deixas ceifado
«A mão do meu filho te quero propor.»
Promessa é do rico, soberbo rendeiro:
Maria, oh! quão ledo seu peito bateu!
Seus olhos brilharam, seu braço ligeiro
Mais forte nas messes a foice moveu.
Soou meio-dia: que ardente secura:
Já todos demandam a fonte, o pinhal;
Somente nos ares a abelha murmura:
Maria não pára, que é sua rival.
O sol esmorece, bateram trindades:
Debalde o vizinho lhe grita: bastou!
Zagais e ceifeiros se vão às herdades
Maria, coa foice, lidando ficou:
O orvalho desliza; desponta a seu turno
A estrela no espaço, na selva o cantor;
Maria, insensível ao bardo nocturno,
A foice incansável agita ao redor.
Os dias e as noites assim por tais modos,
Nutrida d'amores, mal sente passar,
Três dias findaram: oh! vinde ver todos
Maria ditosa d'esp'rança a chorar.
«Bons-dias, Maria; já tudo ceifado!
«Lidaste deveras: a paga hás-de ter.
«Enquanto a meu filho, foi graça o tratado;
«Quão loucos e simples o amor nos faz ser!»
Tal disse, e passava... no peito constante,
Ai pobre Maria, que transe cruel!
Teu corpo formoso tremeu vacilante,
E exausta caíste, ceifeira fiel.
Um ano a coitada, sozinha consigo,
Vivendo de frutos, vagou sem falar...
No prado mais verde cavai-lhe o jazigo:
Ceifeira como esta jamais heis de achar.
(de Poesias, prefácio de Álvaro Manuel Machado, Vega, 1983 - colecção Mnésis)
16.9.05
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