9.9.05

WILLIAM BRONK

A IMPRESSÃO

Tem-se a impressão de que tudo está a chegar
ao fim. Não, não é isso. Tem-se a impressão
que é como uma guerra em que a última batalha
é combatida muito depois do armistício
ter sido declarado. A iminência liga-nos
a uma desgraça passada. Olha-se para trás,
para um tempo, qualquer tempo, qualquer coisa
que já aconteceu. Olha, ainda estamos aqui,
mas repara que o nada do momento aconteceu
há muito, um tempo, tanto quanto se pode saber,
que não coincide com o tempo em que isso
aconteceu. Houve alguma vez esse tempo?
Outrora, deve ter havido. Quando acabará?

A METONÍMIA COMO ACESSO AO MUNDO REAL

Ou o que se sente deste mundo é o "que"
apenas deste mundo, ou o "que" do qual,
de vários possíveis mundos - que "que"?
- alguma coisa do que se sente pode ser
verdade, pode ser o mundo, o que é,
o que se sente. Quanto ao resto,
tréguas são possíveis, a tolerância
dos viajantes, comer pratos estrangeiros,
tentar palavras que distorcem a língua,
sentir esse tempo e esse lugar,
sem pensar que esse é o mundo real.

Certo, todos os relógios nos dão a hora
local; certo, "aqui" é qualquer lugar
onde se limita e se preenche um espaço;
certo, nós fazemos um mundo: mas alguma
coisa existe nele, está nele contida,
alguma coisa real, algo que se possa sentir?
Uma vez, numa cidade bloqueada e cheia,
vi a luz bater bem fundo no vazio da rua,
palpável, azul, como se tivesse vindo,
digamos, do mar, uma pureza de espaço.

(tradução de Silva Carvalho, in Ícones, Quatro Elementos editores, 1994)

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