[há uma obra de Álvaro Lapa incluída na exposição "O Poder da Arte", a decorrer no edifício da Assembleia da República. Sobre ela, reproduzo aqui o que diz o comissário da exposição]
JOÃO FERNANDES
Em Álvaro Lapa, as fronteiras entre a pintura e a escrita são difusas. Na sua prática, estas actividades permitem a criação de narrativas ou ficções que estabelecem entre si uma complexa teia de relações e sentidos. A partir do cruzamento de várias influências - literatura (Rimbaud, Michaux, Burroughs, Joyce?), filosofia (em particular o pensamento oriental) política, entre outras -, Lapa constrói um universo poético singular, um território de conflito, de recusa, de silêncio. As profecias de Abdul Varetti, Escritor Falhado (1972) - obra constituída por 22 elementos em lona, montados em ferro, com diversas frases bordadas - foram criadas em 1972. Segundo o artista, Abdul Varetti é uma espécie de seu alter-ego: "Duplo e mito, é o reconhecimento que fiz e que personifiquei de um escritor que considerei falhado", afirma. "É a minha alma do outro mundo. Era polígamo, muito independente. Nasceu algures na Sicília no séc. XIII. Vivia perto da natureza, acolhia-se em grutas, sem conforto...". Nesta obra deve sublinhar-se a forma da sua construção, para a qual o artista se serviu de materiais pobres - a lona, os fios coloridos - para expressar uma série de aforismos de natureza divinatória. Trata-se de um trabalho central no seu percurso, dado traduzir os limites de uma existência quando confrontada com uma sociedade conservadora. Lapa propõe assim um outro modelo, como se pode ler numa das profecias: "Um anarquismo integral, de produção natural, será a forma que se antevê; irá ser escolhida pela humanidade emancipada".
(do suplemento dedicado à exposição, integrado na edição do Público de 12 de Janeiro de 2006 e distribuído à entrada)
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