19.2.07

JOSÉ ÁLVARO AFONSO

MUSA 1


Se diz: - chamarei falcões mas não
Irei ao campo, pensa em concreto e
Torres de ruído e sombra?
Cegos pela premência
Falcões são aço, estiletes, ângulos

Rectos de concentração e fúria

Nas ruas da cidade há poços
De lama e irrisão mas é
Na limpidez vertical do que está
Sujo que surpreende
A irisação do que é humano


MUSA 2

Entregue às musas de rapina
O destino busca – seu olhar
Amplo e concentradas asas
A curva do concreto no voo essencial

A filigrana dos gestos dança terrestre
Dueto de tempos longos e segundos
Deslumbres na comoção de ver
Poliedros na superfície lisa de uma laje


MUSA 3

Se lhes disser adeus
De onde virão, alinhados, os helicópteros
Da imaginação? Ainda que as guarde
Como no futuro em dicionários se resfriam
Tão breves como o horizonte
De vê-los - os helicópteros -


MUSA 4

Diz-me em quantos quartos dividiste a minha alma
Onde estão os pés de caminhar que deixei esquecidos?
Quantas são em chamas as agulhas as rosas as enxadas?

Crescem ervas no templo que não vou mondar
E sei que estás inclinada sobre o colo de outro
Mais atento. Não queres dar-me mais - as que
Uso para descansar minha cabeça no tempo?

Leva-me à tua quinta. Deixa que ignore os nomes
Dos teus
Frutos. Dá-me o sumo e o veneno que ela tenha


MUSA 5

Diz-me da surdez em que me fundes
Digo-te que as que salvam vidas que perdoam
E recolhem os náufragos nas casas
Dos amigos e nos adros das igrejas
Estão em agonia

(de entre passos sobrevivem eras, edição do Autor, 2006)

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