14.12.07

ANTÓNIO RAMOS ROSA

A S. JOÃO DA CRUZ


Por uma secreta escada
desceste ao nocturno horto
onde encontraste o Amado
pastor de invioláveis graças
entre perfumadas nascentes.

Sem arrimo e com rumo
da tua cegueira vidente
te consumaste no centro
da divindade obscura,
alma e amor conjugados.

Num cego e escuro salto
subiste e logo desceste
para de novo subires
à indizível essência
de um não sei quê misterioso
ao qual, inteiro, te rendeste.

Pão vivo e fonte eterna
chamaste ao fruto escondido
que o teu desejo aspirava
e nele encontraste guarida
mesmo dentro da noite.

Sabias não haver caminho
para chegar a essa fonte
de que a origem não sabias
e que de tudo era origem
e a que chegaste num lance.

Toda a ciência transcendias
sem entender entendendo
e no puro imo bebias
o sol da profunda noite
em divina companhia.

Nada mais te contentava
que a vida da tua vinha
que lá no alto pairava
e lá no fundo ardia
com o rosto da formosura.

Chegaste aonde não eras
por onde não eras foste,
sempre às escuras na noite
até esse não sei quê
que é a existência da Vida.


(de Os Signos da Amizade, edições Asa, 2004 - colecção pequeno formato)

1 comentário:

ana salomé disse...

belíssimo, rui.