3.1.08

[para uma antologia de bicicletas - 14]

SEAMUS HEANEY

GUIÃO PARA UM FILME


Eles pedalam afastando-se do que podia ter sido
em direcção ao que nunca será, num plano aguentado:
Professores em bicicletas, falantes da terra em saudação,
entrando nos anos vinte como se fosse no futuro.

Ainda a pedalar, já lá no fim das lentes,
não indo a parte nenhuma e não desaparecendo.
Mistura fúcsia que 'segue a linguagem'.
Longa sequência sem som. Panorâmica e desfoca.

Então vozes sobrepostas, em diferentes Irlandeses,
discutindo tarefas de tradução e taxas linha a linha;
como os marcos miliários de oitocentos em bermas de relva,
ocorrência de nomes como R. M. Ballantyne.

Grande plano do olho de gato de um botão
seguido de abertura para a capa de uma sotaina,
barrete de padre, colarinho de volta, maçã de Adão.
Parar no rosto inexpressivo. Pôr os créditos

e mesmo quando parece que é o fim -
focar o rasto da longa vaga que vai galgando a margem
e se desfaz no ponto em que uma vara escreve e escreve
palavras no velho guião na areia que se escapa.


(tradução de Vasco Graça Moura, in Antologia Poética, Campo das Letras, 1998 - original de The Haw Lantern, 1987)

1 comentário:

Anónimo disse...

distribuição de mão no asfalto.muito bem