28.7.08

CEES NOOTEBOOM

ENGODO


A poesia não pode tratar de mim,
nem eu da poesia.
Estou só, o poema está só,
o resto é dos vermes.
Estava à beira das ruas onde moram as palavras,
livros, cartas, notícias,
e esperava.
Sempre esperei.

As palavras, em formas claras ou escuras,
transformaram-se em alguém escuro ou mais claro.
Poemas passam por mim
e reconheciam-se como coisa.
Via-o o via-me.

Esta escravidão não tem fim.
Esquadrões de poemas procuram os seus poetas.
Vão errando sem comando pelo grande distrito das palavras
e esperam o engodo da sua forma
feita, perfeita, fechada,
concentrada e

intangível.

(in Um Mundo Claro, Um dia escuro – Oito Poetas Holandeses, tradução de August Willemsen e Egito Gonçalves, Limiar, 1988 – Os olhos e a memória / original de Aas / Engodo, 1982)

2 comentários:

Aníbal Duarte Raposo disse...

Gostei muito, mesmo muito, de por aqui passar.

Letras e poemas açorianos em
www.apalavraeocanto.blogspot.com

Joana Serrado disse...

Nao gosto da palavra " mestre" mas ele realmente mudou a minha vida. Por causa dele escrevo (as vezes, em neerlandes)
Poesia sempre na Rua.
Um abraco.