LEONARDO DA VINCI
A ALFENA E O MELRO
A alfena, sendo picada nos seus finos ramos, cobertos de novos frutos, pelos pungentes bicos dos importunos melros, lamentava-se com piedosos queixumes ao melro, pedindo-lhe, já que lhe tirava os seus frutos dilectos, que ao menos não a privasse das folhas, que a defendiam dos escaldantes raios de sol, e que com as suas aceradas unhas não lhe arrancasse a casca despindo-a da sua tenra pele. Ao que o melro, com rudeza respondeu: - Ora cala-te, bravio galho! Não sabes que a natureza te fez dar estes frutos para meu alimento? Não vês que estás no mundo para me servires desta comida? Não sabes, bruto campónio, que no próximo inverno vais ser alimento do fogo? – Ouvidas pacientemente pela árvore estas palavras, não sem lágrimas, daí a pouco tempo foi o melro apanhado pela rede, e servindo ramos para fazer de gaiola para encarcerar o melro, calhou, entre outros ramos, à delicada alfena dar as grades para a gaiola; a árvore, vendo-se ser causa de tirar a liberdade ao melro, alegrando-se, dirigiu-lhe estas palavras: - Ó melro, eu aqui estou, ainda não consumada, como tu dizias, pelo fogo; vejo-te na prisão antes que me vejas queimada!
(de Bestiário, Fábulas e outros escritos, tradução de José Colaço Barreiros, 1995)
2 comentários:
que lindo. adoro melros. :)
Podes pensar que não tem analogia,mas tem:estremecemos mas não nos deixemos balançar.
Bj
Lia
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