(excerto de) O Maior Espectáculo do Mundo
(…)
A memória não é uma caixa de imagens, isso ao menos sabe Maria Ausenda. A memória, diz para si própria, é apenas uma moldura que delimita o espaço de um quadro, mas que lhe ignora o tempo, que mistura as cores e as formas numa espécie de cadinho adormecido sobre o aparador da infância. E depois, um dia, a necessidade ou a imaginação despertam-na, e ela transforma-se em fábrica de sonhos e de ilusões, um pouco mais de emoção aqui, um diálogo retocado acolá, bruscamente as imagens todas rodopiam sobre si próprias e, quando de novo se aquietam, quando se tornam suficientemente nítidas para poderem ser evocadas, quem pode dizer que foi esse o lugar que elas ocupavam quando tudo se passou, quem se atreve a garantir que tudo se passou assim mesmo, quem ousaria jurar que alguma coisa se passou?
(…)(in As Caixas Chinesas, 1988)
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