8.12.08

ADÉLIA PRADO

Salve Rainha


A melancolia ameaça.
Queria ficar alegre
sem precisar escrever
sem pensar
que labor de abelhas
e vôo de borboletas
precisam desse registro.
Chorando seus casamentos
vejo mulheres que conheci na infância
como crianças felizes.
A vida é assim, Senhor?
Desabam mesmo
pele do rosto e sonhos?
Não é o que anuncio
- já vejo o fim destas linhas,
isto é um poema – tem ritmo,
obedece à ordem mais alta
e parece me ignorar.
Me acontecem maus sonhos:
a casa só tem uma porta,
casa-prisão,
paredes altas, cómodos estreitos.
Chamo pelo homem, ele já se foi,
quem se volta é um negro,
indiferente.
A criança que se perdera,
ou deixei perder-se de mim,
é um menino-lobo,
eu a encontro grunhindo,
com um casal velho de negros.
Por que os negros de novo?
Por que este sonho?
Gasto minhas horas em pedir socorro,
esgotando-me, monja extramuros,
em produzir espaços de silêncio
para encontrar Tua voz.
É medo meu apregoado amor,
uma fita gravada, meu contentamento.
O primeiro santo do Brasil
invocou para um pobre:
“Post-partum, Virgo Inviolata parmansisti.
Dei Genitrix, intercede pro nobis”.
Ó Virgem,
volte à minha alma a alegria,
também eu
estendo a mão a esta esmola.

(de Oráculos de Maio, 1999)

3 comentários:

Anónimo disse...

Uma poeta minha preferida do Brasil, país que tem muitas mulheres poetas desconhecidas, de resto como em toda a parte, embora o Brasil trate muito melhor os seus poetas que qualquer país da Europa.

tb disse...

vim pelo Alçada, (saboa que anotarias a efémeride) mas fiquei presa a este grito em forma de poema.
Beijinhos

tb disse...

(saboa e sabia, também :)beijokas)