14.4.10

EDUARDO PAZ BARROSO


DOS TEARES SAEM AGORA


Na boca rotativa o poema amnésico desce
a cada um dos patamares do esquecimento.
Vai à procura de um exercício cruel:
detonar palavras uma a uma,
até ficar de ti a sombra húmida,
a corroer de ferrugem o molho de chaves
afinal inútil.
Mal servem para abrir a fábrica, as portas que a selam.
Dos teares saem agora grandes praias emaranhadas
umas nas outras
e os afogados zangam-se muito
a horas mortas, enquanto dançam
sobre o abismo em que te fito,
de braços abertos,
a soletrar enxames de silêncio muito espesso.

Poderosamente sentada no granito do muro,
a tua sombra corre então por ali fora,
fecha os olhos a esta vista
sem miradouro, sem certezas para
se afundar no cheiro de tantas proas ateadas, pelo sim
e pelo não.
Lembro-a branda, insuficiente, tingida pelo pânico,
como se fosse louca e capaz de me empurrar
lá para a frente,
onde tudo é mais perigoso,
ou atravessado por uma seta cinzelada
que perfura o íntimo vocabulário
desta certeza pequena
como a lagartixa imóvel, ainda ao sol da tarde,
pequena e cheia de dívidas
a somar encomendas que não param
de encarquilhar as pálpebras,
como se fosse possível,
como se fosse provável
nascerem risos por debaixo dos textos taciturnos,
daqueles que dividem os dias entre si,
como se nos lábios morresse todas as noites
um amor desabitado.


(de Movimento Marítimo, edição do Autor, 2008)

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