13.4.10

ORLANDO NEVES


Só o osso ou a pedra subsistem,
depois de ter ouvido o vento sinuoso
descer pelos rios sonhados, depois de
respirar a crispação dos charcos,
depois de acender a dor da música
no equilíbrio dos lábios. Devagar
me movi e ninguém iluminou o mar,
rompeu os limites ou foi resto
de substância na lonjura dos dias.
Em que boca respira o que é idade
e chora, o que é voz e finge, o que é ave
e dorme? A que sabor de areia retorno,
eternamente límpido, se, outrora, vivi
no coração dos olhos, no hímen das flores?
Hoje apenas me penso. Ou nasço quando
desejo. Ou me ergo se, do fundo das águas,
ressoa a escassa nudez do que não sinto.
Já é ideia a noite mas nela ainda o sol
começa e se abre, quente, sobre a ferrugem
colada à pele, primeira oca sombra
dos mortos. Esplende, definitivamente
solitária, para sempre contida no que andei
e cri. Em breve há que atingir o vazio
da memória e nele persistir. Até que,
livre das máscaras que nos corpos fui,
venha, última, a surdez das vozes.


(de Regresso de Orfeu - Clamor, Sol/Poesia, 1989)

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