27.6.10
Poemas transmitidos oralmente por Silvina da Conceição Leal (27/06/1910 – 27/09/1997), minha Avó.
Quando Salomão morreu
Deu o corpo à sepultura
Na caveira lhe puseram
Uma árvem de grande altura
Casa cheia tem fartura
Não sou só eu que o digo
Vão as galinhas ao trigo
Quem paga são os pardais
O burro tem atafais
E também tem seus estribos
Na praça se vendem figos
P´ra contentar os rapazes
No mar voam alcatrazes
Também lá se pescam gaivotas
Menina das penas tortas
Todos lhe chamam caneja
Vão-se as sezões com desejos
E as feridas com unguentos
Roda o moinho é com o vento
Quem faz a teia é a aranha
Esta cantiga é tamanha
Que não tem cabo nem fim
Num raminho de alecrim
Que se dá aos namorados
Se forem muito amiguinhos
Por Deus serão ajudados
Fazem-se as armas
É p’rós soldados
E também p’rós caçadores
Menina se tem amores
Diligente deve andar
Faz-se a gaita é p’ra tocar
E o pente é p’rá cabeça
Menina não endoideça
Que ‘inda pode ser feliz
Porque tem tamanho nariz
Que lhe vai da testa ao seio
Todo o mundo fala e diz
Que tem mais de palmo e meio
«Já mo vieram gabar
P’rá bigorna dum ferreiro
E também dum ferrador
P’rá rabiça dum arado
E p’ró cajado dum pastor.»
(transcrito de memória)
Recebi há bocadinho
Uma carta do priminho
A primeira
Que alegria
Eu contá-lo não devia
Mas no entanto
Dizer-lhes vou
Como isto começou
(Não digam nada ao meu avô)
O priminho
Costumava ir dez, doze vezes por mês
A casa dos avós jantar
Pedia para ficar à mesa
Sentado a meu lado
Com a cadeira muito chegada para mim
E com o pé tocava-me assim
O atrevido um dia
Diz-me baixinho ao ouvido
«Ai priminha, o meu desejo,
Agora, era dar-te um beijo»
Eu fiz-me muito corada
À mamã não contei nada
Só ao priminho é que disse
«Isso é uma patetice.
Se me pretende namorar
Com ideias de casar
Deve ter muito juízo
E esperar o tempo preciso
Em que o papá lhe dará a minha mão
Eu por mim não direi que não
Podemos ser, enfim, uns namorados
Como muitos que por aí vejo
Deve ir passear a meu lado
Também me deve escrever»
Um certo dia
Em que eu pensava
O priminho ter-me abandonado
Sinto bater à porta
Umas pancadinhas medrosas
Era ele! O priminho!
Com certo ar de medo
Trazia nas suas mãos uma carta
Subscritada
Que dizia o seguinte:
«Minha encantadora prima
(Bravo!
E o priminho já se anima
A tratar-me por encantadora
Mas enfim, vamos ao resto)
Vou participar a teu papá
Sem consultar com a mamã
Para te comprar uma boneca
Que o Matos Moreira tem na montra
Pois às crianças
Se deve comprar
Bonecas para brincar»
Ó, eu criança?
Olha o maroto!
Mas não cai em saco roto
Sem pau nem pedra o castigo
Vou já, já,
Mandar por aí um criado
Com o retrato que me deu
Para em troca o meu
Nem pintado o quero ver
Quem tanto me fez sofrer
Com ofensivos gracejos
Não me volta a roubar beijos
Como ‘inda há pouco
O maroto fez
O maroto esta manhã
Como a tempo não fugi
Deu-me três beijos aqui
Que eu bem senti
Todos três
Mas se voltar outra vez
Há-de ficar em jejum
Não me rouba mais nem um!!
(transcrito de gravação)
– Que bonita, esta moça
De corada como está
Desde que vim do Brasil
‘Inda não vi outra cá
Isto é cor da menina
Ou pintura que lhe dá
– É porque o senhor não vê bem
Ou bom da vista não vai
Ainda que lave o rosto
Esta cor daqui não sai
– Já vejo que é cor natural
Que faces rosadas tem
Vou-lhe a meter um partido
Se a menina lhe convém
Ir comigo p’ró Brasil
Se não tiver pai nem mãe
– Obrigado, meu senhor
Mas não posso aceitar
Toda a vida tive medo
De passar águas do mar
– O mar é uma brincadeira
Não custa nada a passar
Até dá gosto à gente
Quando vai a balançar
Lembra-me certas coisinhas
Quando me ponho a cismar
[ai… aqui é que me falta não sei o quê]
– Vem comigo, não te importes
Que o Brasil é bem bonito
E assim que tu lá chegares
Eu compro-te um periquito
– Evita de me prometer
Com isso não me leva lá
Periquitos que eu deseje
Também há muitos por cá
Mais lindos e com mais graça
Do que o Brasil tem por lá
– Até eu também tenho um
Que te posso fazer presente
Quando vê moças bonitas
Até pula de contente
– Até pula de contente
Eu em si acho tolice
O que poderia ele fazer
Se não o ajuda velhice?
– A um homem da minha idade
Ninguém de mim faça troça
Eu sou velho de bom tempo
Lidei com gente na roça
Nunca foi muito de meu costume
Meter-me a trabalho que não possa
– Se se acha com coragem
De todo o trabalho fazer
Veja se tem rendimentos
Para me dar de comer
Vestidos para vestir
E teatro p’ra me entreter
– Nunca te há-de faltar nada
Comer bem, beber melhor
Vestidos de seda fina
E teatro do maior
– Fiz-me muito esquisita
E fui sempre muito forte
Vou fazer muitas festinhas
Ao periquito do velhote
(transcrito de gravação)
Adeus, adeus ameixeira
Adeus ameixas e tudo
Sabe Deus quem chegará
A outro dia de Entrudo
(transcrito de gravação)
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3 comentários:
que ternura...
lembro, muitas vezes, uma tia avó pequenina e aculilante, excelente contadora de estórias, que me legou um dicionário já esquecido no vocabulário quotidiano. e quando a nossa língua corre riscos de identidade, é preciso salvar-lhe o carácter genuino, preservando-a para uma memória colectiva.
... não só o q foi salvo, mas a lealdade às raízes - uma das pouquíssimas coisas importantes...
São poemas que pertencem à tradição oral, pois conheço outras versões dos mesmos. Convém colocares junto deles a data da recolha e a origem geográfica da tua avó, bem como o local onde recolheste. (Coisas de quem já deu aulas de Literatura Tradicional.)
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