3.10.10

ARMANDO SILVA CARVALHO


OS PORTUGUESES


Todo eu sou alemão no pensamento, e antes de o saber
O francês não me deixava mentir
Com palavras de sol cinzento nesta boca insular
Dum condenado à cabeça.

Temos na língua um gosto pelo patético
Que nasce da insuficiência.
Morremos duma glória plasmada na distância,
Dirão os que não morrem para poderem
Contar.

Os que mirram, definham de goela aberta
E deixam no ar a dança gestual
De pequenos fantoches, olhos pasmados numa vida
De Europa entreaberta.

Oh, tomai por mau conselho
A minha fala doendo pelas ruas de Coimbra,
Pelas salas espessas de fumo em Lisboa
Pelas areias e dunas dessa boa Vila do Conde
Adormecida.

Um jovem irrequieto, um doente louco,
Uma cabeça virgem para recados maiores dos outros
Mundos,
Uns olhos magoados pelo sol da solidão.
Dizei-me, camaradas da luz,
Que mais vos posso dar, sem ser canção ou roubo
Do meu corpo,
Incandescente, eléctrico, lucífero?


(de Anthero Areia & Água, Assírio & Alvim, 2010)

Sem comentários: