28.10.10

NUNO GUIMARÃES


Pax aeternis. A língua
te soletra. Ó longos canaviais,
vias bravias! Os da morte liter-
ária, sob a chuva. Assim invocas
um sentido ao teu excesso
diário. Á previsível
morte literal.

Litoral! Litoral! Manchado
em cristalino, sentimento. De
paisagem madura. Perdurável
no vasto mecanismo visual.
Ó longas vias de canal. Por onde a
vida, a letra, lite-

ratura, se consomem.
Requiescat. Em ti penso o
movimento ausente (desvio,
então, a retina para os longos
campos: roído de verdura
e vento, em movimento). Assim te
esqueço, contrito, em rigidez.
So-

letro o que me é dado ver enquanto
vivo - o objecto — enquanto vivo.
E como pensarás res-
existir a essa língua? Uma
cultura que a prepara, uma morte
entre claustros, requeimada?
Litor-

ais que a letra não domina, que
são lentos, semelhantes
ao teu cego labor: paisagem hirta,
avista, imaculada.
Como pode, sem luz, ser
já tão lúcida? Tão
claramente negativa? Inquieto,
o esquece. E só habita
sobre as árduas costas, litorais.


(de Os Campos Visuais, 1973)

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