SANDOR CSOÓRI
CARTA AO POETA AMERICANO GREGORY CORSO
Percorreria todo o mundo contigo,
Corso,
descarrilador do tempo,
valentão do século vinte.
A tua camisola de riscas lembra uma farda de prisioneiro,
de presidiário que desertou da poesia,
apóstolo do adultério.
Vamos, anda, calça de um tiro o teu sapato de desporto
rumo à Lua,
ao deserto do Sahara
e à capital da nossa alegria: Spoleto!
Na praça da Catedral é noite.
Cubos de mármore nadam no copo da escuridão,
como os cubos de gelo
num whisky um pouco amargo.
Esvaziemos a cidade de um trago.
Menotti não compõe hoje música,
convida para um serão,
no seu jardim, rameiras milionárias
esperam os sátiros
com forcados de poesia -
Corso,
a tua mão é um forcado,
a tua boca é um lança-chamas,
Sabes! És mais capaz de praguejar
Do que o papa capaz de rezar,
vem, armemos um escândalo esta noite.
*
Pode ser bom roubar um carro
já que não se pode roubar a imortalidade,
e tocar os sinos com latas de conserva
já que não se pode fazê-lo com a perna do Cristo.
*
Joguemos - Tu gostas de jogar:
Furemos os olhos um ao outro,
talvez assim sejamos mais amáveis
do que os que sorriem.
Estilhacemos as tuas bombas para estrelar ovos
e a Europa pode entusiasmar-se com uma nova arte culinária.
*
Imbecil! Imbecil! - gritemos ao
Senador-Urso Polar,
aos chefes do governo que passam o fim-de-semana
num cano de canhão.
oh, fins-de-semana!
oh, domingos!
oh, Casas Brancas! Parlamentos!
das vossas conchas de caracol por toda a parte
deslizam tanques
e na sua trilha mucosa caem de costas os poetas.
Imbecis! Imbecis - gritemos aos poetas
que caíram de costas,
eles não merecem o pão,
não merecem as mulheres,
não merecem a morte.
*
Já balbuciamos tantas vezes
majestosamente
que a nossa boca está inchada.
Corso, afundemos as nossas línguas
como um porta-aviões.
Sejam outros a fazer estrondear
as harpas celestes que voam,
e sejam os marcianos a tocar os tambores de Saturno.
Tudo pode acontecer-nos,
se ficarmos aqui;
tudo o que já nos aconteceu.
Vamos,
sejamos nós a marcha
que vagabundeia por toda parte,
muda de pátria para amar a do outro,
assina o mar, como um postal,
e descansa nas cidades,
para que também as cidades descansem
e não pede perdão
se for processado por aquela marcha
que chegou a amar no sétimo dia.
(de Com cisnes sob o fogo do canhão, versões de Egito Gonçalves, sobre tradução literal de Pál Ferenc e revisão de Mária Demeter, Limiar, 1997 - os olhos e a memória)
POEMS FROM THE PORTUGUESE
Há 2 horas
Sem comentários:
Enviar um comentário