JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
Alfarrobeira
Parece que é uma alfarrobeira
Esta árvore
— E'inda p'ra mais florida! —
Por onde passo pelo menos cada dia quatro vezes.
Parece, mas não sei!
E, todavia...
Persisto em julgar-me um ser da natureza
Tão ou mais do que essa maravilha de enflorados troncos.
Não sei...
E não há todavias realmente a opor...
A palavra comum,
A mim,
À terra que a sustenta,
Ao ar que a estremece,
A essa, digamos, tal alfarrobeira,
E' o viver por e para tudo isso
e para mim também
Que tanto vivo para esse tronco enflorado
Como para em palavras,
Tão como ele cifradas,
Pôr imagens informes do real oculto.
1967
Úlcera crítica
Todos querem ser o que não são
E eu à regra não faço excepção.
Se acontece que mil vezes mudo
É só por querer depressa ser tudo.
Tudo, entendamos, exclui meio milheiro...
Em especial: académico e banqueiro.
Um porque sabe a mais o que é de menos;
O outro sofre muito se os lucros são pequenos.
Ambos, porque sim e porque não,
Esses querem bem ser o que são...
Admiro até, porém, as linhas rectas,
Mas a geometria é, realmente, coisa de poetas
Que eu entorto em letras p'ra fazer um dístico
Capaz de fazer passar até por aforístico.
Mas sem sorte alguma:
Puras agulhas de pinheiro, simples caruma,
Seca como as rectas da geometria
— A grande irmã secreta da poesia
Que faz as úlceras dos críticos
Em seus comentários analíticos...
1967
O Tempo e a Liberdade
Fosse meu o tempo e ele, por certo, Não seria assim:
Roubava-o na medida, evidentemente
A favor de mim.
O Tempo disse-me então:
— Por minha culpa não serás ladrão;
Dou-me como me quiseres gastar;
Perde-me à vontade.
Mas escusas de ir gritando empestando o ar:
«E onde fica a minha Liberdade?!»
1967
(in Ocidente - Revista Portuguesa de Cultura, N.º 414 / Outubro, 1972)
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