8.12.11


JOÃO RUI DE SOUSA


QUANDO AMANHÃ

Quando amanhã,
na subida mais íngreme daquele monte,
um deus inscrever seu azulado arco
por sobre o fio geral do horizonte
- sobre o esplendor das asas matizadas
pelo calor da lenha a crepitar, pelo fulgor
das cinzas espalhadas rente à terra
como adubo atirado ao amanhecer –
dirás quanto de mim for posse e perda,
sorriso e choro, sabor de doces frutos
ou parca ilusão:

dirás quanto de tudo a vida se revolve,
se incendeia.


RECOMENDAÇÃO

Mergulha e dissolve essas tensões
que pelas tardes cálidas sobrenadam.

Abre valas no tempo e na razão
(a do aturdimento, a do esquecer
as noites de ti próprio) e manuseia
alfaias com todo o desvelo
- transformando em música e palavra
(a voz de ti nascida)
o vasto e árduo esforço de drenagem.

Não deixes que as nuvens por demais
te pesem, por demais assombrem
rios e horizontes e arvoredos - como
cancelas postas no ar da paisagem.


RODA DOS VENTOS

O vento vai e vem, sobe as escadas
do caos e do esplendor
onde as palavras trémulas eram ar
de resistir ao pó e ao ranger das pedras.

O vento acompanha o rufar das folhas
que em transe e rodopio
roçam nos cimos das torres e telhados
ou do frio que habita em cada esquina.

O vento ruge e arde - é uma leve
estátua em movimento ou o irromper
de um estranho arco-íris que transportasse
o sol e as borboletas.

O vento canta em som que é das estrelas,
que é árvore exemplar em cada um
quando roça no ombro uma carícia
de dedos macios - os mais perfeitos.

Também o vento é morte em alto mar
de sombras e bramido e barcas leves,
transformadas em espuma e descalabro
e num estertor final de tábuas soltas.

Também o vento habita nos escombros
a dançar sobre nós como em conquista,
como a varrer a fronte quando a angústia
derrota o ânimo - e o próprio entendimento.

Ó ar que voa em nós em tudo e nada,
entre o fundo dos lodos e as framboesas!
O beijo tão coberto de incerteza!


VÊM DE DENTRO

Vêm de dentro, e sem fim, como as plantas
que ao nascerem ainda não soubessem
a que chuvas se destinam - ou geadas.

E crescem pelos dias, recolhidas na vastidão
dos prados, no som de labaredas inesperadas
e das enxadas que revolvem as margens.

Vêm de dentro, e sós, essas palavras - como
lugares de acaso, como chuvas despenhadas
ao ritmo regular de funda lavra.


(de Quarteto para as próximas chuvas, publicações Dom Quixote, 2008)

1 comentário:

Manuel Poppe disse...

Um poeta admirável... mais ou menos arrumado para o lado pelos canibais da Feira Literata..

Um abraço, ainda bem que o trtouxe aqui!