17.12.11


MANUEL DE FREITAS


TAKI- TALÁ

para o Jorge

Manhã ká tem dia, para
estes corpos que dançaram anos
e derrotas, na fome cantável das ilhas.
Souberam, melhor do que ninguém,
o preço imediato do futuro que
disfarçam, agora mesmo, de alegria.

E rodopiam, pesados, rente
à madeira das paredes e
ao rumor estrangeiro dos eléctricos.
Já não existem, talvez,
as crianças que na fotografia
a preto e branco brincam sem morte
pela praia — pequeno país que os rostos,
as canções e o álcool tornaram
desmedido. B(e)leza adivinhada
no copo que encontra o chão
e gosta, connosco, de cair.

Mas tu, meu amigo, finges destoar
desta música de latas e violas
rombas, mornas cheias da vida
que nos foge. Essa incompreensível
saudade, sodade — de quando não
fomos felizes. Mar à volta, resignado.

E falas, soletras grogue e cerveja.
Convocas demoradamente
os autores franceses que mais leste
— tudo o que procuro esquecer
contigo, num país mais próximo
daquilo a que por vício chamo
às vezes coração, estrela d'nada.

Porque a música, Jorge, é a única
razão que nos sobra. E a ela apenas
bebemos, com um sorriso grande
a perder-se no rosto que passou já

para sempre. À tua.


(de Cretcheu Futebol Clube, Assírio & Alvim, 2006)

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